Há Centro na Periferia: Saber, Saúde e Saudade no Bairro da Jamaika
O projeto propõe requalificar a Sede da Associação de Desenvolvimento Social de Vale de Chícharos (ADSVC), transformando-a num Centro Comunitário. Apesar da precariedade do edifício existente, este é essencial à vida coletiva do bairro. Ali decorrem reuniões de moradores, atividades associativas, sociais e educativas. Neste sentido, a proposta consiste em conferir maior dignidade a estas atividades e promover novas valências, através da reabilitação do edifício e do espaço exterior adjacente. Tendo como promotora a ADSVC, integram a parceria o CHÃO - Oficina de Etnografia Urbana que há anos colabora com a ADSVC, e a Tamanho Azul - Associação que coordena a equipa de projetistas. Contamos ainda com o apoio da Junta de Freguesia de Amora. Sabe-se que o bairro será destruído. Mas, face à incerteza sobre os prazos e condições de realojamento, pretende-se que o Centro - uma estrutura temporária e parcialmente desmontável - garanta condições mínimas de dignidade para a população do bairro.
Objetivo geral e justificação
O desenvolvimento de processos participativos de desenho e construção, e o leque de atividades propostas, que perpassam os campos da saúde, sociabilidade, saber e memória, formam a matéria-prima deste projecto. Propomos melhorar as condições de funcionamento de um equipamento coletivo, para usufruto da população do Bairro da Jamaika e de entidades que operam localmente, bem como das comunidades vizinhas. Iremos trabalhar em várias frentes: requalificar o atual edifício, dotando-o de infraestruturas e maior relação com o exterior; fortalecer a vida do bairro através de atividades promovidas pela ADSVC e os moradores; realizar ações educativas promovidas pelo CHÃO e Poto Betu; promover melhores condições de saúde, beneficiando de um protocolo com a Junta de Freguesia e de uma bolsa de voluntários; e criar um arquivo sobre a história do Jamaika, acessível ao público. O Centro será um pólo para o desenvolvimento cultural e social da população para - e com - a qual é projetado.
Objetivo específico 1 e justificação
1. Requalificar o Edifício. A atual Sede apresenta problemas construtivos graves: cobertura de fibrocimento, fissuras e infiltrações, isolamento térmico inexistente, sanitário deficiente e falta de ventilação e luz natural. Pensado entre os projetistas integrados na Tamanho Azul - Associação, a ADSVC e o CHÃO, o projeto prevê a requalificação dos espaços interior e exterior. Pretende-se: remover a cobertura e criar uma nova, assente em estrutura metálica independente, desmontável; abrir portas e janelas, facilitando a circulação e acesso bem como a iluminação natural e ventilação; criar novos sanitários e cozinha de apoio; qualificar espaços exteriores, com zonas de sombra para livre usufruto da população. Espera-se proporcionar espaços confortáveis para a realização de várias atividades, tirando partido do dinamismo dos parceiros locais. Renova-se assim a imagem do edifício e confere-se maior dignidade ao bairro enquanto este permanecer de pé.
Objetivo específico 2 e justificação
2. Fortalecer a vida associativa, social e cultural. A ADSVC tem mostrado grande empenho em prol da defesa e bem-estar dos moradores. Cedo juntou forças para reivindicar o direito a bens essenciais e à habitação condigna, acompanha, de perto, o realojamento do bairro, promove reuniões e realiza ou colabora num conjunto de atividades essenciais à vida em comunidade. É neste sentido que o novo Centro irá reunir condições para fortalecer as atividades comunitárias e impulsionar novas dinâmicas de convívio e organização entre os moradores do bairro. Como espaço físico e simbólico de referência local, este define certa centralidade para o conjunto de atividades do bairro, o que fortalecerá o sentido de comunidade entre os moradores e a organização coletiva, nomeadamente as reuniões da associação e sobre o realojamento. Possibilitará também encontros, festividades e reuniões entre os moradores, já que a partilha do espaço, é debate, é vida e luta.
Objetivo específico 3 e justificação
3. Promover Ações Educativas. A sede da ADSVC tem sido palco de várias iniciativas viradas para o fortalecimento do sentido de comunidade e para a promoção dos direitos coletivos dos habitantes do bairro, nomeadamente o direito à educação. Desde 2015 que o espaço - em avançado estado de degradação - alberga aulas de Alfabetização e Português Língua não-materna, facilitadas pelo Grupo CHÃO e com o objetivo de continuar a enfrentar as dificuldades de acesso ao ensino formal. As aulas são frequentadas por pessoas adultas do bairro e das suas imediações, grande parte delas migrantes e mulheres. O novo Centro possibilitará que as aulas continuem a acontecer, todos os domingos, com condições dignas e possibilitará a criação de um grupo de apoio ao estudo para as crianças e jovens em idade escolar. Capacitar a comunidade local através da realização de acções educativas é fundamental no combate às desigualdades.
Objetivo específico 4 e justificação
4. Fomentar o Acesso à Saúde. O Centro terá um papel fundamental na ampliação do acesso a recursos na área da saúde que possam ser oferecidos aos moradores do bairro. As condições estruturais e sanitárias precárias das habitações, a presença de muitas pessoas com protocolos de evacuação médica e, por vezes, dificuldades de regularização da documentação, conjugadas com os tempos de espera que caracterizam o sistema nacional de saúde, criam demandas significativas e urgentes. O projeto tem como objetivo promover a continuação e alargamento de iniciativas no âmbito da saúde. Tais como, ações de rastreio - promovidas através de protocolos entre instituições públicas locais e o hospital; a realização de atendimentos regulares de agentes da saúde no local. A sala principal do Centro abrigará ainda atividades de sensibilização sobre questões da saúde, enquanto que o gabinete mais reservado oferecerá condições para consultas com privacidade.
Objetivo específico 5 e justificação
5. Criar um Arquivo do Bairro. Este projeto tem como um dos objetivos preservar a memória da história do Bairro da Jamaika através da criação de um arquivo coletivo. Considerando a inevitável demolição do bairro, o projeto procurará compilar aspetos da cultura material e imaterial, considerados relevantes pelos seus moradores, que permita recontar a história de um lugar que, em breve, deixará de existir. A preservação das memórias de um lugar que, no decorrer das últimas quatro décadas, albergou centenas de famílias imigrantes, afrodescendentes e Roma/ciganas, bem como as suas realidades quotidianas e os seus sonhos, permitirá recontar uma outra história do país, que centralize o papel de migrantes e das denominadas minorias étnicas na sua edificação, contribuindo combater o silêncio e a discriminação histórica a que estas populações têm sido votadas. O arquivo será acessível ao público, no Centro e permanecerá para além do desaparecimento do bairro.
Parceria local
Promotora
Associação de Desenvolvimento Social de Vale de Chícharos
Parceira
Chão- Oficina de Etnografia Urbana
Tamanho Azul - Associação
Território(s) de intervenção
1. Bairro da Jamaika
Amora, Seixal
Critério 1. Condições de habitabilidade deficientes ou precárias, nomeadamente:
Mau estado das habitações, por deficiente construção, falta de manutenção ou por estarem situadas em territórios afetados por incêndios nos últimos cinco anos
Exiguidade do espaço habitável
Desadequação severa dos espaços comuns
Deficientes condições de acesso ao abastecimento de água, saneamento e energia, designadamente em áreas de génese ilegal
Ventilação e iluminação solar insuficientes ou baixo conforto térmico e acústico
Critério 2. Número significativo de moradores com rendimentos baixos ou muito baixos, nomeadamente:
Pessoas em situação de desemprego, lay-off ou precariedade laboral
Pessoas com poucos anos de escolaridade
Pessoas abrangidas por prestações e apoios do subsistema público da ação social
Pessoas indocumentadas, requerentes de asilo, refugiados, apátridas ou em condições semelhantes
Critério 3. COVID-19
Número significativo de pessoas de risco em caso de COVID-19, nomeadamente idosos e portadores de doenças crónicas
Critério 4. Número significativo de pessoas com constrangimentos de acesso a cuidados de saúde, nomeadamente por:
Falta de documentação ou barreira linguística
Falta de capacidade económica para aquisição de medicamentos
Critério 6. Número significativo de crianças e jovens em idade escolar a não frequentar a escola ou com elevada percentagem de insucesso, nomeadamente por:
Falta de condições para aceder ao ensino a distância
Critério 7. Exclusão social
Número significativo de pessoas em situação de exclusão social, isolamento ou abandono, nomeadamente idosos, pessoas em situação de sem abrigo ou vítimas de tráfico
Atividades
1. Planeamento detalhado do programa de necessidades, através de reuniões entre as entidades envolvidas no projeto e a equipa de projetistas responsável, arquitetos e engenheiros.
Em diálogo entre os parceiros, estimou-se um programa de necessidades preliminar: sala multiusos (45m2) - destinada a atividades educativas e de saúde, reuniões da comunidade e eventos; cozinha comunitária (21 m2); 2 sanitários, um deles preparado para pessoas com mobilidade reduzida; escritório (9m2) com acesso direto do exterior, para ser utilizado com vários propósitos, incluindo gabinete médico. No exterior, uma nova cobertura desmontável e amovível, estende-se para além do edifício, de forma a criar uma área coberta que possibilitará encontros, convívios e celebrações.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
2. Execução da obra interior, com a participação da comunidade
Com todos os projectos de execução elaborados, as obras dos espaços interiores - demolição de algumas paredes, execução de novas alvenarias, abastecimento de água e águas residuais, electricidade e ited; acabamentos de pavimento e paredes; instalação de portas e janelas e instalação de equipamentos sanitários e de cozinha - envolverá a participação de profissionais da comunidade local.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
3. Execução da obra exterior
Exteriormente prevê-se a total remoção da cobertura em telhas de fibrocimento, que trazem graves problemas ambientais. O ponto principal da requalificação exterior é a execução da nova cobertura, assente em estrutura metálica que se estende para além dos limites do edifício existente, para os espaços frontal e laterais, criando áreas cobertas. Composta por asnas, pilares e painéis sandwich, a cobertura poderá ser retirada, pois é completamente desmontável. Para esta actividade, prevê-se a contratação de uma empresa especializada em estruturas metálicas.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
4. Assembleias sobre o processo de realojamento
Esta atividade consiste em reuniões e assembleias regulares e extraordinárias, com o objetivo de informar e promover o diálogo entre moradores e instituições responsáveis, no decorrer do processo de realojamento no bairro. Tal como aconteceu no passado, serão promovidas reuniões periódicas com os moradores já realojados com vista a estreitar relações e a acompanhar o processo de quem já reside noutros espaços.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
5. Reuniões regulares da associação e reuniões com parceiros dos vários projetos promovidos e acompanhadas pela associação.
No novo Centro, a associação poderá ampliar a sua capacidade de encontro, gestão, promoção e acompanhamento regular das iniciativas e os projetos em curso, tornando-se num ponto de encontro não só para os membros da associação, mas também para parceiros e moradores.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
6. Festas e eventos promovidos pela ADSVC e pela comunidade
O novo Centro possibilitará a realização de um conjunto de eventos e festividades, tais como aniversários, casamentos, batizados, assim como de celebrações coletivas fundamentais para a sociabilidade e o convívio dos moradores, como, por exemplo, as festas nacionais dos países de específicas comunidades locais (i.e., Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe ou Angola).
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
7. Oficinas de culinária
Nas instalações da nova sede, e com uma cozinha devidamente equipada, poderão ocorrer atividades de educação e entretenimento e que, simultaneamente, possam gerar lucro para a comunidade local. Propõe-se a realização de oficinas de culinária para pessoas que habitam dentro ou fora do bairro. No Jamaika há um conjunto de pessoas com conhecimentos culinários de excelência, muitas vezes ligados à cozinha dos seus diversos países de origem. Maioritariamente mulheres, Esse pessoas, possuem saberes que devem ser valorizados e divulgados.
Destinatários preferenciais
Jovens (18 a 24 anos), Idosos (65 e mais anos), Adultos (25 a 64 anos), Mulheres, Toda a comunidade
8. Aulas de alfabetização de adultos e de português língua não-materna
Nas instalações do novo centro será dada continuidade às aulas de alfabetização de adultos e aulas de português língua não-materna, que ocorrem semanalmente. A prática tem sido importante para a capacitação e empoderamento de adultos com acesso limitado a outros meios formais de ensino. O grupo de alunas e alunos é constituído na maioria por migrantes. Além da vertente de aprendizagem, especialmente para os idosos, o curso de língua e literacia funciona como um espaço de partilha e sociabilidade.
Destinatários preferenciais
Idosos (65 e mais anos), Adultos (25 a 64 anos), Mulheres, Migrantes, Pessoas com deficiência, Toda a comunidade
9. Apoio escolar para crianças e jovens
O Centro possibilitará a criação de um grupo de apoio ao estudo multidisciplinar em parceria com a Associação Poto Betu, focado no desenvolvimento pessoal de crianças e jovens e no apoio a todas as disciplinas do 1º ao 10º ano de escolaridade. O centro proporcionará o acompanhamento do progresso pedagógico dos alunos, o reforço da sua autoestima e um local para as crianças realizarem os seus trabalhos escolares após o período de aulas, enquanto aguardam pelo término das atividades laborais dos seus pais ou encarregados de educação.
Destinatários preferenciais
Crianças (0 a 17 anos), Jovens (18 a 24 anos)
10. Iniciativa "O Hospital está no Bairro”
A iniciativa “o Hospital está no Bairro” será uma ação conjunta de várias entidades de saúde, associações e instituições do Seixal, e efetuará ações de rastreio e sessões de esclarecimento sobre questões diversas relacionadas com cuidados de saúde, medicação e outros assuntos de interesse para a promoção do acesso à saúde, por parte da população local. A iniciativa, que já esteve no bairro em 2019, e foi muito apreciada, acontecerá agora duas vezes por mês e poderá, agora, utilizar as instalações do Centro para as sessões de sensibilização como para as atividades de rastreio.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
11. Consultas no bairro
O Centro abrigará atividades médicas semanais para promover o acesso à saúde de todas as pessoas que residem no bairro, fomentando um acompanhamento mais próximo para aqueles cujo acesso aos serviços de saúde é precário. Este serviço será assegurado por uma pequena bolsa de agentes de saúde (i.e., médicos, enfermeiros e fisioterapeutas), que trabalharão em regime de voluntariado. Esta atividade consistirá na existência de um consultório que receberá duas vezes por mês um mês médico/enfermeiro e duas vezes por mês um fisioterapeuta, acompanhando a prevenção e o tratamento de doenças crónicas.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade
12. Criação coletiva de um arquivo público de memória do bairro da Jamaika através da compilação de cultura material e imaterial que permita museificar a história de um lugar que desaparecerá em breve
Para a construção do arquivo coletivo será organizada uma reunião inicial com vista à constituição de uma Comissão de Memória. Esta Comissão reunirá mensalmente e será responsável, com os parceiros do projeto, por compilar e recolher um conjunto de objetos, fotografias e narrativas produzidas por moradores, artistas, jornalistas e pesquisadores que permita recontar a história passada e presente do bairro. Este arquivo será organizado e exposto no Centro, num dispositivo construído para o efeito, por forma a tornar-se acessível ao público. Prevê-se ainda a realização de mostras e debates.
Destinatários preferenciais
Toda a comunidade