Isabel Loureiro
Isabel Loureiro
Vice-presidente do Conselho Nacional de Saúde, presidente do Conselho Científico da Escola Nacional de Saúde Pública, Membro da Equipa Nacional do Programa Bairros Saudáveis

Isabel Loureiro

Uma política nacional para a mobilização local

Introdução
O Programa Bairros Saudáveis propõe-se alavancar os recursos e as potencialidades das comunidades a viver nas zonas geográficas mais vulneráveis, onde existe mais pobreza, com mais habitações degradadas ou superlotadas, mais desemprego e precariedade no emprego, mais baixa escolaridade. Atua onde mais se tem sofrido por covid-19, isto é, onde a doença mais facilmente se transmite e onde mais complicações ela provoca.
As desigualdades no território nacional tornaram-se ainda mais gritantes com a pandemia covid-19. Tendo em atenção os fatores determinantes da saúde, nos seus múltiplos aspetos, o Programa Bairros Saudáveis estabeleceu os critérios de elegibilidade dos locais que mais poderiam dele beneficiar. As condições de aprendizagem na escola, o acesso à saúde e ao trabalho, a falta de recursos para pagar as despesas, incluindo as da alimentação, a habitação degradada, sobrelotada e sem condições térmicas, a exclusão social, a maior prevalência de doenças que agravam as consequências da infeção – foram situações tidas em conta na identificação de territórios de especial vulnerabilidade.
A saúde não representa só ausência de doença, mas, também, o bem-estar, a capacidade de resiliência, a existência de relações sociais positivas e qualidade de vida nas suas várias dimensões. Compreendendo quais os seus determinantes - fatores de risco e fatores protetores - a ação pode influenciar o estado de saúde. Segundo este paradigma biopsicossocial é fundamental conhecer as condições em que as pessoas vivem e trabalham para a definição dos objetivos e dos meios necessários para os atingir. Já no século XIX, um estudo encomendado pelo médico britânico Chadwick e publicado no relatório “As condições sanitárias da população trabalhadora”, em 1842, demonstrou que a pobreza está associada à doença. A erradicação da pobreza constituiu o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU e mantém-se, agora, como o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável desta organização. Em Portugal, segundo o Eurostat, em 2019, vivia abaixo do limiar da pobreza, cerca de 21,6% da população. Hoje, pensa-se que este valor se situe bastante acima. As crianças são um dos grupos de maior vulnerabilidade, tendo a carência de alimentos ou de afeto nos primeiros anos de vida repercussões dramáticas no seu desenvolvimento e, consequentemente, na sociedade.

O conceito de sindemia e a covid-19
A covid-19, ao ocorrer, num certo tempo e local, em simultâneo com outras doenças e problemas de saúde, como as doenças crónicas não transmissíveis (doenças respiratórias, diabetes, obesidade, hipertensão e outras) e as desigualdades económicas e sociais - fatores que interagem entre si aos níveis biológico, psicológico e social - vem aumentar a interação negativa que leva ao agravamento das várias situações em presença, constituindo-se o que se designa por sindemia. Se não abordarmos a covid-19 na globalidade do seu contexto e tratarmos apenas dos aspetos biológicos, estamos a ignorar as condições em que esta e outras doenças mais proliferam, piorando ainda mais as condições socioeconomicamente mais frágeis, adiando a resolução dos problemas subjacentes. Assim, a abordagem da covid-19 segundo a perspetiva de uma sindemia, tem de incluir a ação sobre as condições de vida precárias que facilitam a sua transmissibilidade. Já Rudolf Virchow, um médico patologista do século XIX, afirmava que “uma epidemia é um fenómeno social que tem alguns aspetos médicos.
Esta forma de encarar este problema de saúde no quadro das desigualdades económicas e sociais, exige o empenho de vários setores da sociedade, do poder e governo local, à proteção do Estado.

A coesão social no Programa Bairros Saudáveis
O Programa Bairros Saudáveis assenta numa política pública que estimula a participação comunitária, acreditando na capacidade de as populações interpretarem as suas necessidades e serem capazes de encontrar soluções para as colmatar, recebendo, para isso, algum apoio financeiro. O Programa não conseguirá resolver as desigualdades sociais e a pobreza porque isso depende de macropolíticas e de políticas transformativas ao nível social. No entanto, constitui um estímulo para que as populações mais vulneráveis, frente às suas realidades, sejam capazes de encontrar, em conjunto, formas de as melhorar, alavancando recursos e fortalecendo os laços de solidariedade e a coesão social.
Em 1992 um estudo sobre a mortalidade nos 50 anos precedentes na vila de Roseto nos EUA, na Pensilvânia, demonstrou que a coesão social constitui um fator protetor da longevidade. Observou-se que a existência de uma história comum – no caso, eram imigrantes vindos de Itália -, a conservação das tradições sociais, a manutenção dos laços familiares e das práticas conjuntas da comunidade eram responsáveis pela menor mortalidade por doença cardiovascular, em comparação com a de localidades vizinhas que apresentavam os mesmos comportamentos de risco. No final das década de 80 do século passado, a OMS criou a Rede das Cidades Saudáveis, que teve a sua primeira reunião em Lisboa, em 1986. Em 2016, a Declaração de Xangai da OMS volta a reforçar a importância da coesão social e do poder local, da governança e da literacia em saúde através da melhoria do compromisso político e do investimento financeiro em Promoção da Saúde. Várias revisões sistemáticas de artigos científicos, levadas a cabo pela Public Health England em 2018, concluem sobre o impacte positivo da coesão social sobre a saúde da população, reduzindo o risco de morbilidade e de mortalidade.
A Resolução do Conselho de Ministros 52-A/2020 cria o Programa Bairros Saudáveis (PBS). No n.º 1 lê-se que a sua finalidade consiste em “dinamizar parcerias e intervenções locais de promoção da saúde e da qualidade de vida das comunidades territoriais, através do apoio a projetos apresentados por associações, coletividades, organizações não governamentais, movimentos cívicos e organizações de moradores, em colaboração com as autarquias e as autoridades de saúde”.
No âmbito do programa, foram recebidas 774 candidaturas para um montante global de financiamento previsto de 10 milhões de euros, para um período de desenvolvimento de um ano. Numa análise sumária das candidaturas, pode verificar-se a importância que as comunidades atribuem à coesão social, não sendo percetível se entenderam com clareza a finalidade do programa ou, se a ideia primordial dos candidatos seria já atribuir-lhe prioridade, com base no conhecimento empírico de que só é possível avançar na resolução dos problemas quando se funciona em parceria e em sintonia para objetivos comuns.
Na preparação das candidaturas é patente o modo como muitas organizações da comunidade se mobilizaram e organizaram para apresentarem projetos conjuntos. Por exemplo, 20,4% de todas as 774 candidaturas entradas envolvem uma parceria com o setor da saúde, ao nível dos CSP, quer da área da Saúde Pública quer da área da Medicina Familiar, para além de muitos profissionais de saúde estarem ainda presentes entre os voluntários individuais. Do testemunho de alguns médicos, meus alunos na Escola Nacional de Saúde Pública, observei o seu entusiasmo e surpresa por terem sido contactados para se tornarem parceiros, o que parece revelar novas dinâmicas no tecido social

Alicerces do Programa Bairros Saudáveis: sindemia da Covid-19, coesão social e participação
É claramente inovadora esta política de confiança na capacidade de as populações identificarem as suas prioridades e desenvolverem propostas de mitigação dos problemas e de promoção de uma melhor qualidade de vida, ao financiar candidaturas de iniciativa local.
A Entidade Responsável do Programa é constituída por 7 ministérios - Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ministério da Coesão Territorial, Ministério das Infraestruturas e Habitação, Ministério da Agricultura, Ministério do Ambiente e Ação Climática, Ministério da Saúde (que coordena) e Presidência do Conselho de Ministros, adotando a perspetiva da Comissão da OMS para os determinantes sociais da saúde.
A abordagem bottom-up que este Programa desencadeia, provoca a criatividade das populações e a colaboração e partilha de responsabilidades entre setores. Segundo o relatório do Public Health England de 2015, uma abordagem salutogénica, mobilizadora dos recursos existentes e da energia de indivíduos e comunidades, fortalecendo-as através da coesão social, conhecimento crítico e ação coletiva, é uma estratégia adequada para lidar com as desigualdades em saúde. As mudanças de comportamentos e atitudes são tanto mais fáceis e efetivas quanto maior for a confiança, o conhecimento e o sentido de pertença da comunidade na prossecução de objetivos comuns. Está demonstrada a força da participação comunitária na efetividade das propostas que ela própria constrói.
O trabalho em parceria que proporcione a troca de experiências e de saberes e a partilha de recursos é gerador de oportunidades de aprendizagem e inovação. A abertura a um modelo de pensamento centrado no ser humano que valoriza a inspiração e a criatividade pode facilitar o desenho das intervenções inovadoras, a sua implementação e sustentabilidade.

O retrato do país visto pelas associações comunitárias
Apesar de ainda não podermos apresentar resultados finais, podemos levantar o véu sobre o conteúdo das candidaturas recebidas. Assim, passaremos a apresentar alguns dados preliminares sobre as mesmas.

1. O que as populações mais vulneráveis identificam como problemas ou questões prioritárias
Para além das carências económicas que se percebem através das iniciativas destinadas ao apoio alimentar ou ao conforto térmico e arranjos na habitação, é de salientar que a saúde mental está valorizada em muitas das candidaturas, num processo que, aparentemente, começa a revelar até que ponto ela está a ser atingida no atual contexto pandémico e, também, a consciência sobre o estigma e a premência da ação. Parece que o confinamento, de entre as medidas de prevenção da Covid-19, bem como a precariedade no emprego ou a perda de rendimentos desencadearam muitas situações de perturbação na saúde mental. Cabe referir que nos questionários e grupos focais realizados com jovens pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) no último triénio de 2020, no âmbito da Agenda da Juventude para a Saúde 2020-2030, a saúde mental surgia como a principal preocupação dos jovens. A solidão, dificuldades de socialização e falta de afeto são muitas vezes referidos, quer pelos mais velhos, quer pelos mais jovens. A dificuldade de acesso aos serviços de saúde mental e, também, o cansaço físico e mental dos técnicos e das organizações, após estes meses de esforços para responder às necessidades das comunidades, são contemplados nas candidaturas.
Exclusão social, comportamentos problemáticos, vandalismo, violência doméstica, consumo de substâncias nocivas, como o álcool e ausência de projetos de vida são problemas frequentemente identificados.
Continua a constatar-se a existência de analfabetismo ou de muito baixa literacia. A literacia digital e o acesso à internet são constantes nas preocupações, quer junto de crianças e jovens, sobretudo pelo ensino à distância, quer na população mais idosa, no acesso a informação útil para a gestão do seu dia a dia, incluindo o exercício dos seus direitos de acesso à proteção social. Esta foi também uma das prioridades evidenciada pelas Juntas de Freguesia em resposta a um questionário sobre as principais necessidades identificadas ao nível local que o Conselho Nacional de Saúde aplicou entre abril e junho de 2020. O encerramento das escolas, para além do potencial aumento do insucesso escolar, é referido como um dos problemas que veio revelar as desigualdades de acesso ao ensino à distância bem como outros aspetos da vida que requerem uma familiarização com o mundo digital.
A desertificação e os problemas de acessibilidade por falta de transportes e de acesso a diversos serviços públicos, incluindo de saúde, são mencionados em muitas candidaturas, vindas sobretudo de territórios situados em zonas de baixa densidade populacional.

2. Quais os grupos que eleitos como prioritários
São muito diversos os destinatários das intervenções. Salientam-se os desempregados, os idosos, as crianças, as mulheres, os jovens em risco, os sem-abrigo e os imigrantes. São contempladas as pessoas com patologias como a diabetes, a tuberculose, as infeções de transmissão sexual e pelo VIH/SIDA. As pessoas com comportamentos de dependência de substâncias continuam a constituir um problema, muitas vezes agravado pela sua não adesão a terapêuticas. Os cuidadores informais, entre outros, também estão presentes.

3. Quais os objetivos mais apontados?
Os objetivos mais frequentes inscrevem-se nas áreas da cidadania e coesão social como sejam a integração social de jovens, de imigrantes, do desenvolvimento de redes comunitárias e de novas formas de organização social que possam dar resposta à necessidade de reconstrução e fortalecimento dos tecidos sociais. A participação, incluindo a participação em políticas públicas, a construção e reforço das redes comunitárias locais são desígnios apontados como contribuindo para a coesão social.
A educação para a cidadania, a educação para a saúde, o desenvolvimento pessoal e social e a educação ambiental são objetivos presentes ao longo da leitura das candidaturas. A diminuição do abandono e do insucesso escolar, o aumento da literacia digital, a capacitação para procurar emprego, a aquisição de competências em planeamento são alguns dos objetivos propostos. A literacia em saúde inclui, para além da promoção de estilos de vida saudáveis, a prevenção da Covid-19 e de outras doenças infeciosas como a tuberculose e as doenças de transmissão sexual, a prevenção e autogestão de doenças crónicas não transmissíveis, como a diabetes, a obesidade ou a deficiência visual evitável. Nesta área da literacia em saúde inclui-se o acesso e navegação no Serviço Nacional de Saúde. Uma maior literacia em saúde mental, abrangendo o combate ao estigma, a literacia para uma sexualidade saudável e a aquisição de competências parentais surgem como temas para capacitação. A formação dos jovens como agentes de saúde pública é proposta.
Na área da alimentação as preocupações com a segurança alimentar traduzem-se no apoio alimentar a famílias e pessoas que vivem isoladas, bem como em apostar na redução do desperdício alimentar, na melhoria da qualidade e variedade das ofertas e da produção alimentar local.
Muitas das candidaturas focalizam-se na promoção da atividade física, quer pelo desporto quer pelas caminhadas, dando assim oportunidade a um maior convívio e à promoção de um envelhecimento saudável.

4. De que modo se propõem contribuir para a mitigação dos problemas – apoio, capacitação e criatividade
Para além da criação de serviços de apoio, quer no domicilio, quer através da criação de consultas, de apoio às tarefas escolares ou de serviços de acolhimento temporário, de distribuição de comidas e roupas, constata-se um grande investimento na capacitação das comunidades e na aposta em ferramentas participativas e abertas. A estratégia de formação de stakeholders na comunidade aposta na replicação de competências junto de outros, o reforço da comunicação e da aprendizagem em rede e a da capacidade de auto-organização. Não ficam dúvidas sobre a importância que estas comunidades atribuem à coesão social. Há vários projetos que visam reforçar a coesão social entre os vizinhos, muitas vezes através da requalificação de espaços comuns para reconciliação das pessoas com os seus bairros ou aldeias, aumentando as oportunidades de convívio e partilha de culturas e identidades.
A intergeracionalidade, o voluntariado e a valorização e partilha dos saberes ancestrais e de culturas estão presentes em muitas das candidaturas. Também registos em livros, vídeos ou audiolivros com narrativas de histórias de vida e do bairro, lendas e documentários de índole socio-histórica são propostos para reforçar a identidade e o sentido de pertença.
A arte – música, dança, fotografia, teatro, arte urbana - ocupa um lugar muito destacado nos métodos escolhidos para abordar a coesão social, mobilizar a criatividade das crianças e dos jovens, mitigar a solidão, melhorar a autoestima e valorizar as diferenças e identidades. São propostas reportagens fotográficas, por exemplo, como meio de alertar para a degradação dos espaços.
Os projetos que apostam em estratégias para melhoria da autoestima, dirigem-se especialmente a mulheres e cuidadores informais, utilizando, por exemplo, o retrato e workshops de maquilhagem e de moda e, assim, aprender a cuidar da imagem corporal.
A economia circular está também presente em várias candidaturas, como a reciclagem de objetos, estabelecimento de micronegócios e estimulação da economia familiar e local.
As hortas e outras modalidades de produção agrícola aparecem como incentivo à produção de alimentos para consumo direto ou venda local, muitas vezes integradas numa visão ecológica e de defesa do ambiente.
São propostos vários workshops, sobretudo na área da capacitação de produção alimentar, culinária e qualidade no equilíbrio nutricional assim como um livro de receitas para registo de tradições e saberes.
No que se refere à promoção de hábitos saudáveis surge a implementação de rotinas no dia a dia.
No âmbito da literacia, para além do apoio ao estudo e de medidas que promovam a literacia digital, em que se incluem a acessibilidade a computadores e à internet, descrevem-se atividades dirigidas à capacitação para a procura ativa de trabalho e gestão administrativa de documentação e outros aspetos essenciais ao exercício da cidadania.
O desporto e a atividade física, como são as caminhadas, são eleitos como estratégias de promoção da saúde mental e do combate à obesidade e ao sedentarismo e para promover o convívio e o envelhecimento ativo.
O relaxamento, a meditação e o conhecimento do corpo ganharam protagonismo.

5. O desenvolvimento de recursos de suporte
A aquisição de viaturas é umas das necessidades manifestada para o apoio domiciliário, nomeadamente pelo facto de as localidades se situarem no território a grandes distâncias dos serviços, ou para apoio “sobre rodas” para chegar àqueles que, por qualquer motivo, não se deslocam aos mesmos serviços.
A criação de websites e aquisição de tablets surge como um investimento necessário tanto para divulgação das atividades como para dar suporte ao uso e à comunicação digital.
Programas de rádio local serão usados como uma via de comunicação dentro da comunidade.
A criação de uma linha telefónica para responder às dúvidas da comunidade, um serviço de atendimento ao morador, uma rede comunitária para coordenar as várias ações, um gabinete de crise que possa ajudar a identificar e a resolver os problemas são algumas das propostas que visam mecanismos de resposta rápida às necessidades da população.
Muitas são as candidaturas que invocam a necessidade de recursos humanos, nomeadamente psicólogos e nutricionistas.

6. Avaliação dos projetos, transparência e visibilidade
São vários os projetos que propõem fazer uma autoavaliação a partir de dados recolhidos ao nível local.
Fotografias antes e depois do projeto, a registo audiovisual das atividades, recolha e tratamento de dados estatísticos, são manifestações da seriedade colocada na visibilidade e concretização destes projetos.

Contribuição do Programa Bairros Saudáveis para eixos estabelecidos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)
A Estratégia Portugal 2030, na sua primeira agenda temática “as pessoas primeiro: um melhor equilíbrio demográfico, maior inclusão, menos desigualdade”, visa uma sociedade menos desigual e mais inclusiva, colmatando problemas agravados com a pandemia. A sua quarta agenda temática tem como desiderato o reforço da coesão territorial “em especial, para a redução da disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões, em particular das regiões mais desfavorecidas”. O PRR tem como “alvo central as vulnerabilidades sociais e económicas, orientando-se para as maiores vulnerabilidades territoriais”.
No entanto, o PRR está a ignorar que as fragilidades do tecido social vão muito para além destas áreas metropolitanas. Segundo a proposta de PRR que veio a discussão pública, são consideradas como áreas mais prioritárias as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O Programa Bairros Saudáveis vai mais além. Se se consultar o mapa onde se assinala a origem das candidaturas, selecionadas através dos critérios de elegibilidade escolhidos, é possível verificar que os locais particularmente vulneráveis se situam em todo o território continental. Além disso, comparando as candidaturas provenientes de territórios de alta e baixa densidade, constata-se que os territórios de baixa densidade, onde vive 20% da população, foram responsáveis por 30% das candidaturas, o que mostra o potencial do Programa Bairros Saudáveis para o reforço da coesão territorial e para “promover o desenvolvimento harmonioso do território nacional”, conforme estabelecido no PRR.
O PRR propõe, na dimensão estruturante Resiliência, a componente C4 - Eliminação das Bolsas de Pobreza em Áreas Metropolitanas, em que se incluem investimentos de 250 milhões de euros para operações integradas em comunidades desfavorecidas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Entre esses objetivos destacamos:

e) A cidadania e o acesso aos direitos e à participação cívica, através de equipas multidisciplinares com a participação dos públicos a quem se dirige o programa.

f) … [O] desenvolvimento de programas de literacia de adultos, de aprendizagem da língua portuguesa e de inclusão digital;

g) A regeneração das áreas socialmente desfavorecidas, invertendo fenómenos de fratura social e promovendo a coesão social …;

h) A requalificação física do espaço público ou o reforço das infraestruturas sociais, de saúde ou de habitação...;

i) O acesso à cultura e a criatividade e valorização da interculturalidade;

j) O acesso à saúde, desenvolvendo a saúde comunitária e o combate às dependências;

k) O desenho de projetos de combate ao insucesso e abandono escolares com envolvimento das comunidades educativas, capacitando as escolas e os seus profissionais, definindo percursos específicos para a recuperação de aprendizagens;

l) O desenvolvimento de programas de envelhecimento ativo e saudável, reforçando as infraestruturas e as organizações;

m) O empreendedorismo de pequenos negócios de base local, endogeneizando as iniciativas, criando rendimentos para a comunidade e aumentando a sustentabilidade global da intervenção para lá da vigência do plano;

n) O incentivo à participação das comunidades na gestão do próprio programa.

Quanto aos objetivos traçados para estas operações integradas, grande parte deles serão, conseguidos pelo esforço das comunidades locais que reconhecem os seus problemas e que estão dispostas a resolvê-los ou, pelo menos, minimizá-los. Estes objetivos estão bem presentes nas candidaturas submetidas ao Programa Bairros Saudáveis. Não temos dúvidas, de que, com algum apoio financeiro, estas comunidades se mobilizarão para conseguir viver melhor, com maior coesão social, mais competências, maior capacidade de alavancar os recursos disponíveis, construindo resiliência e mais qualidade de vida. É essa a razão principal da expectativa e entusiamo que o Programa Bairros Saudáveis despertou e que transparece nas 774 candidaturas apresentadas.