Mouraria
Criar uma rede de entreajuda de Todas e de Todos
A distribuição alimentar de emergência, iniciada na pandemia, deu origem ao projeto A Mourada de Todas e Todos, promovido pela cooperativa BTUIN, que prevê o desenvolvimento de uma rede de entreajuda no seio da comunidade indo-asiática da Mouraria.
No chão de madeira do edifício da Rua do Terreirinho, junto ao Martim Moniz, sede da Portugal Multicultural Academy (PMAA), acumulam-se sacos de plástico azuis contendo alimentos. É véspera de Natal e um grupo de voluntários prepara a habitual distribuição de alimentos que apoia semanalmente dezenas de pessoas de diferentes nacionalidades residentes na Mouraria. Ao longo da manhã chuvosa, chegam os beneficiários desta associação de apoio a imigrantes, cumprimentam os voluntários, trocam-se votos de Boas Festas.
Neste espaço, onde funcionou o Centro Escolar Republicano, para além de aulas de português para imigrantes, existe igualmente apoio jurídico e na área da saúde e trabalha-se para “o empoderamento das mulheres e a promoção do emprego”. Rasel Ahammed, secretário-geral da associação, explica que “acaba por ser um local de referência para todo o tipo de questões que se levantem a um imigrante em dificuldades”.
Pedro Freire, mediador comunitário no âmbito do projeto, coordena os trabalhos deste apoio alimentar de emergência que arrancou em maio de 2020. “A pandemia e a resposta alimentar criada acabaram por ser uma oportunidade para desenvolver um sentimento mais profundo de defesa da igualdade e solidariedade”, diz o técnico da BTUIN. “O simples ato de preparar cabazes alimentares que respeitem diversas tradições alimentares foi fundamental para nos ligarmos ao bairro e à riqueza multicultural que existe à nossa volta".
Assim nasceu, de forma orgânica, o projeto A Mourada de Todas e Todos, tendo como base uma ligação pré-existente ao terreno e um reconhecimento do “ser migrante” partilhado por vários membros da cooperativa BTUIN, que possuem esse estatuto. Precisamente por isso, “sempre vimos as questões do acolhimento e integração dos imigrantes como um dos temas fundamentais a tratar dentro das questões do desenvolvimento local, especialmente em grandes centros urbanos”, sublinha Pedro Freire.
O projeto A Mourada de Todas e Todos propõe-se trabalhar a capacidade de resiliência social e económica das comunidades imigrantes na Mouraria, em especial as indo-asiáticas, contribuindo para impulsionar uma rede de entreajuda, que virá a ser integrada numa economia local solidária neste território. Mourad Ganhem, gestor do projeto, sublinha que este pretende ir “além de uma clássica abordagem vertical”, entendendo os elementos envolvidos como “agentes efetivamente envolvidos na co-governação”.
Em dezembro, foi dado mais um passo na criação da rede, com o registo da associação Bondhon (nome que significa fraternidade em bengali, idioma do Bangladesh). Trata-se de uma associação cívica, que vai desenvolver atividades de advocacy em prol desta comunidade e, ao mesmo tempo, dentro da comunidade, identificar e capacitar empreendedores e grupos informais. O vice-presidente da nova associação, Farhad
Uddin, que já foi voluntário na PMAA, está satisfeito por fazer parte deste processo, que acredita ter capacidade para fazer a diferença na vida da comunidade indo-asiática da Mouraria.
Outro eixo operacional do projeto é a criação de um produto solidário, a partir da recolha sobre tradições e cultura destas comunidades e o que une locais de origem e destino. Esta atividade vai ser desenvolvida em parceria com a ACPM Cozinha Popular da Mouraria que, em conjunto com empreendedores imigrantes, vai conceber um produto solidário na área da gastronomia. Pretende-se que este produto gastronómico solidário venha a constituir uma fonte de rendimento para a rede de entreajuda.
Mourad Ganhem tem mais de dez anos de experiência em desenvolvimento local no território da Mouraria e sabe que este desafio económico “é complexo e difícil, mas é um aspeto fulcral para a comunidade imigrante, a par da legalização e da residência”. O responsável da BTUIN assume que é mais comum apoiar as áreas da língua ou da saúde, enquanto “de forma estranha, a parte económica é quase sempre ignorada”. Assim, “a BTUIN quer abordar esta área e escolheu fazê-lo através da construção de um mecanismo de economia solidária, em que o resultado seja reinvestido directa e/ou indirectamente na comunidade.”