Como se faz o arroz colaborativo
Bairro celebra “pedras soltas” e novas pontes na cidade, pela mão dos meninos
O I Fórum do Projeto Levantar a Pedra para Construir Pontes, marca um primeiro ponto de chegada da trajetória que foi sendo construída, como possível ponte entre o Bairro dos Ervideiros e a cidade de Aveiro, em resposta ao desafio do Programa Bairros Saudáveis.
O Fórum, que começou o nosso trabalho, teve lugar no primeiro dia de Abril, tendo como protagonistas as crianças e adolescentes do Bairro, que foram convidados pelo projeto a assumir o papel de investigadores da saúde da sua comunidade, face ao risco de agravamento de condições materiais e sociais especialmente adversas de saúde, habitação, proteção social e educação, provocado pelo confinamento no contexto da pandemia.
O espaço de encontro com e da comunidade do bairro, pretendido com o fórum, foi sendo gerado a partir do aprofundamento do diálogo com as crianças sobre a genealogia das suas famílias que habitam o bairro, ao longo de quatro gerações.
Foi igualmente construído, passo a passo, pelas conversas que acompanharam o trabalho coletivo das crianças “investigadoras”, na observação e no cuidado do espaço exterior das casas, onde brincam, convivem e revisitam memórias do trabalho na escola, sob o olhar dos mais velhos.
É neste espaço exterior que as crianças observam as condições sobre as quais os adultos falam, entre si, como sendo problemas de todos: a degradação do caminho entre bairro e escola, o lixo que deixou de ser recolhido pela autarquia, a fragilidade da saúde dos mais velhos, o efeito da intermitência dos apoios, o desemprego e as dívidas, a alimentação ou o mau estado das habitações, a falta de condições de cuidado da higiene, e as carências no estudo dos mais novos, as circunstâncias de ausência forçada dos pais e cuidadores e, quase sempre, as solicitações e expectativas de profissionais/serviços que estes não conseguem atender.
Foi neste espaço de vida quotidiana que se construiu o recinto do I Fórum em torno da chamada Casa da Árvore, que havia sido imaginada e investida por todos os meninos como lugar de brincar, a partir do momento em que um dos meninos, que fazia parte do grupo que estava a construir a maquete do "Bairro Desejado" como lugar de saúde para todos, localizou o Bairro no Mapa da Camara e proclamou em voz alta “vivemos num bosque”!
Foi sobre o chão de palavras, de descobertas, de fazeres e de dizeres sobre as ações das crianças (e dos jovens que as acompanham) que surgiu a exposição de fotografia, das genealogias e da maquete, um ecoponto e um pequeno jardim criado com a reutilização de recipientes de plástico; foi também criado o Centro de Saúde de brincar instalado na sede do projeto.
Tudo serviu para dar visibilidade e voz aos meninos, no seu papel de construtores de caminhos novos, entre a casa, a sede, a escola e o bairro, contando com a companhia segura de três jovens mulheres e a inspiração e apoio de um jovem com experiência em animação.
Esta equipa de mediadores foi acompanhada por uma educadora e por membros das entidades promotoras e de coordenação, que, por sua vez, mediaram a comunicação e enquadraram a colaboração dos demais parceiros e amigos do projeto.
O I Fórum foi vivido em ambiente de festa, em torno do “arroz colaborativo”, feito com o contributo de cada criança (e das suas famílias), que foram sendo auscultadas sobre o futuro próximo ou a etapa que se segue enquanto se aguarda que as entidades resolvam os problemas estruturais que constituem verdadeiras pedras, agora reconhecidas e soltas com e pelas crianças, que limitam, de forma dramática, o seu horizonte como agentes de promoção de um Bairro Saudável.
Na segunda reunião geral dos parceiros, realizada no dia 4 de Abril, três dias após o I Fórum, pudemos revisitar coletivamente as potencialidades e a incompletude do percurso feito com as crianças. Pudemos estimar melhor o quanto a construção de pontes, que hão de superar a distância que separa e isola a vida das crianças no bairro da vida da cidade (território e polis), depende do esforço crescente e coordenado entre instâncias responsáveis pela garantia de direitos de cidadania social, que se supõem universais.
Contamos que no II Fórum haja muito mais a celebrar para além da remoção das pedras identificadas, soltas e tornadas visíveis pelas crianças e jovens, no papel de agentes de promoção da saúde da comunidade e da cidade, de que agora estão investidas. Que estas e outras pedras, que ocultam o horizonte de emancipação das crianças das condições adversas que lhes são dadas a viver, sirvam de material de construção de novas pontes a edificar pelo diálogo intersectorial na Cidade e pelo diálogo intergeracional na e com a comunidade.
Que no III Fórum as notícias nos falem não só do processo participativo das crianças e jovens, como analistas e agentes na resolução de problemas que as afetam, mas que as narrativas geradas pela exposição de fotografia sobre a sua ação nos permitam celebrar as suas vivências de fruição coletiva de uma cidade a que se sintam pertencer e em que sejam reconhecidos como sujeitos de direitos humanos, reclamáveis em nome do seu superior interesse, enquanto crianças e segundo o instituído pela Convenção dos Direitos da Criança.