Segundo dia de formação das Mulheres em Construção, com dinâmicas de grupo para definir as linhas de trabalho com base nos objetivos e sonhos de cada mulher. Bairro de Santiago em Aveiro.
Segundo dia de formação das Mulheres em Construção, com dinâmicas de grupo para definir as linhas de trabalho com base nos objetivos e sonhos de cada mulher. Bairro de Santiago em Aveiro.
Mulheres em Construção

Quebrar estereótipos de género

Elas querem abrir portas, mas também repará-las

A associação Mulheres na Arquitectura desenhou um projeto-piloto de formação em construção civil para as mulheres do Bairro de Santiago e da zona de Aveiro, reforçando uma vez mais que as profissões não têm género.

O projeto chama-se Mulheres em Construção! Em Construção porque nós, seres humanos, estamos em constante transformação, assim como as casas e os bairros que habitamos. E não só de construção civil trata esta proposta. Às unidades curriculares de eletricidade, canalização e alvenarias, junta-se ainda a literacia digital e a igualdade de género, esta última não só para elas. As entidades parceiras e os trabalhadores de empresas de construção civil locais também participarão.

A questão da habitação revelou-se prioritária para enfrentar a pandemia da covid-19. As mulheres são quem, ainda hoje, trazem às costas a responsabilidade pelo cuidado das casas, tarefas que lhes foram histórica e socialmente atribuídas. São, por isso, quem melhor conhece as necessidades e os problemas da casa e da família. As mulheres são a maioria de quem cuida de outras pessoas e de quem mais tempo passa em casa, sofrendo com a precariedade das habitações e dependentes de outros nas ações de arranjos e reparações.

Sessão de acolhimento das formandas no projeto Mulheres em Construção, com o IEFP-Instituto do Emprego e Formação Profissional. Bairro de Santiago, em Aveiro.
Sessão de acolhimento das formandas no projeto Mulheres em Construção, com o IEFP-Instituto do Emprego e Formação Profissional. Bairro de Santiago, em Aveiro.

A formanda Filipa Míriam conta que “foi com muita satisfação que me inscrevi no curso Mulheres em Construção. Sempre tive vontade de saber fazer pequenos trabalhos em casa a partir das próprias ideias. No entanto, o desconhecimento das técnicas e os custos elevados de contratação para a realização de pequenas obras acabam por impedir-me de ser mais criativa e autónoma na manutenção e decoração da minha casa”. Depois do arranque inicial da formação, diz estar “muito curiosa com os próximos momentos da formação, em especial, pelos momentos de 'pôr as mãos na massa!'”.

As mulheres são também as primeiras afetadas pelo desemprego em tempos de crise, bem visível atualmente. Auferem salários mais baixos e são a maioria da força de trabalho informal.

A capacitação para o emprego na área da construção civil de mulheres em situação de vulnerabilidade social e laboral quer ser uma das alavancas para a sua autonomia económica, profissional e pessoal. Aliamos isto ao facto de Portugal viver hoje uma carência de mão-de-obra na construção civil. O atraso em diversas obras já se sente por todo o país.

Mas desengane-se quem pense que elas nunca construíram. Zeca Afonso já as cantava, “eram mulheres e crianças / cada um c’o seu tijolo”. Cantavam as mulheres do processo SAAL e todas as mulheres que, depois do 25 de Abril, reconstruíram o país e a democracia. Foram e são mão-de-obra, arquitetas, desenhadoras, manobradoras de máquinas, engenheiras, condutoras de camiões.

Falamos de teoria e de prática. O percurso formativo será enriquecido por outros dois momentos. O projeto final de reabilitação de um espaço do bairro permitirá testar os conhecimentos adquiridos e destinar-se-á a uso comunitário. E a criação de um banco de ferramentas e de materiais, gerido por associações locais, estará disponível para utilização de todo o bairro. Todas as doações são bem-vindas.

Primeiro dia de formação das Mulheres em Construção, com dinâmicas de grupo para tecer confiança, conhecimento mútuo e sororidade. Bairro de Santiago em Aveiro.
Primeiro dia de formação das Mulheres em Construção, com dinâmicas de grupo para tecer confiança, conhecimento mútuo e sororidade. Bairro de Santiago em Aveiro.

O projeto-piloto foi desenhado com o inestimável apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), a principal entidade formadora juntamente com a Mulheres na Arquitectura.

A rede de parcerias é vasta e tece a complexidade criativa e transformadora da proposta. Dentro do bairro, conta com a Instituição Particular de Solidariedade Social Florinhas do Vouga, que generosamente disponibiliza as instalações para a realização das atividades, e a Associação Cultural dos Filhos e Amigos da Guiné-Bissau - Mon Na Mon.

Desde a fase de candidatura, fazem ainda parte a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), a Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património (APRUPP), a Junta da União de Freguesias Glória e Vera-Cruz, e três empresas locais de construção Cimave, Savecol e Civilria.

A divulgação pública do projeto agregou depois as sinergias da Ordem dos Arquitectos Secção Regional do Centro (OASRC) e o Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro.

Inesperadamente e desde o primeiro momento, alegramo-nos, por um lado, com a chegada de muitas propostas de voluntárias que amavelmente nos querem apoiar com o seu tempo e competências. Por outro lado, com as inúmeras interpelações de tantas outras mulheres que, a partir de diversos pontos do país e de diferentes classes sociais e profissionais, mostraram interesse em realizar esta formação.

É esta expansão que queremos gerar com o projeto, para o bairro e para a relação de todas as envolvidas neste desafio. E, quem sabe, um dia, “Enquanto dorme / Na cama / A outra arranja-lhe / a casa”. Já escrevia Maria Teresa Horta rematando o poema “Pequena Cantiga à Mulher”.